Para delinear uma síntese histórica e sociológica do estado convém estabelecermos de forma sucinta como se deu a sua formação. Diante disso, convém entender que relativamente à gênese dessa instituição há apenas três formas das quais se pode derivar sua origem sob o ponto de vista do qual surgem as relações arbitrárias: a forma endógena, a forma exógena e uma terceira forma que é um misto entre essas duas primeiras (sendo essa última a mais comumente usada e com eficácia social comprovada historicamente).
Para que fique bem clara essa explanação, entenderemos o estado como uma instituição que surge impondo suas ações e disposições normativas sem o consentimento explícito e formal de TODOS os indivíduos que estão contidos em sua suposta jurisdição. Exclui-se do rol estatista TODAS as governanças locais, tribais, comunitárias e contratuais que se estabeleceram ou ainda se estabelecem não pela força ou arbitrariedade, mas simplesmente pela adesão voluntária de todos os indivíduos de sua base territorial. De acordo com a definição desse texto, uma comunidade de adesão e saída voluntária NÃO É UM ESTADO, visto que o voluntarismo não é o meio pelo qual os estados estabelecem relações de governança. GOVERNANÇA não implica necessariamente o estabelecimento de meios arbitrários para imposição de normas sociais não aderidas previamente. Podemos dizer que existem governanças autoritárias, ou seja, estados, e governanças não autoritárias que, de acordo com a definição aplicada nesse texto, não são estados.
GOVERNANÇA ARBITRÁRIA: esta é a definição de estado que será posta nos argumentos em função de sua perspectiva histórica e sociológica que é facilmente verificável por qualquer indivíduo que queira de modo imparcial conhecer essas estruturas de poder. Por óbvio, entendemos que qualquer forma de arbitrariedade é indesejável e manifestamente supressora de direitos.
Falar em direito, sem falar de sua extensão a todos os seres humanos não faz qualquer sentido. O mesmo se aplica ao argumento pela relativização temporária ou permanente desses mesmos direitos que são objeto de estudo na relação entre instituições e indivíduos ou mesmo entre alguns indivíduos e outros indivíduos de uma maneira particular. A aplicação de uma pauta ou norma social perde sua validade quando imposta sem uma justificação ética, o que implica a necessidade de definir o que deve ser considerado ético em termos universalmente aplicáveis, sendo importante estabelecê-lo objetivamente a fim de evitar interpretações conflitantes ou que deem vazão a graves violações de direitos.
O pressuposto a ser considerado para definirmos qual é o conceito de ética colocado em discussão nesse texto será definido, então, preliminarmente.
Para que determinado comando normativo possa ser considero ético ele precisa estar atrelado à aceitação prévia e voluntária de determinada normatização. Sem essa característica, o comando nasce com notória perspectiva de infringimento, o que o afasta da racionalidade dos acordos formais e do escopo da paz nas relações entre os seres humanos. Essa relação arbitrária, então, nasce com a perspectiva de conflito perpétuo, uma vez que se tem ciência da não aceitação pela parte subjugada. Para além dessa perspectiva, fica explícita uma contradição de natureza fundamental uma vez que se pretende dar a si mesmo um direito que não é estendido universalmente. Assim sendo, podemos exemplificar com a possibilidade de alguém querer que suas regras sejam aceitas por um indivíduo e para isso ele poderia entender que seria eficaz usar força física ou coerção para impô-las. Nesse caso, não se daria a possibilidade de discordância aos que não aceitam suas normas. E se o violador julga a si mesmo superior a ponto de impor normas por qualquer justificativa que seja, então ele precisa coadunar com a possibilidade de alguém agir nesse mesmo sentido pois ele mesmo interage de modo arbitrário. Ele é, então, um agente arbitrário em ação. Pouco importa saber quais são suas razões para agir de tal forma ou mesmo saber se ele defende ou não que os outros tenham o mesmo direito. No caso em questão, não se poderia deduzir para si mesmo um direito que exclui dos outros a possibilidade de alcançar essa mesma condição pretendida e o violador teria que conviver perpetuamente com uma oposição legítima à sua maneira de agir. A ética que origina os direitos precisa ser universalizante e objetiva. Se a discordância em relação a determinada normatização não implica consequências materialmente prejudiciais a outros indivíduos, não pode haver punição ou coerção no sentido de aceitá-las. Essa é uma regra fundamental e, não dar atenção a ela redundará na construção de sistemas autoritários que se imporão socialmente pela medida da força que empregarão para se sobreporem aos seus antecessores. Essa é a realidade das instituições de estado como temos visto desde os primeiros relatos de sua constituição na terra.
Dados os primeiros passos para o entendimento das formas de governança e suas perspectivas éticas, convém explicitar o primeiro ponto dessa argumentação, a saber o do surgimento endógeno das governanças arbitrárias.
Endógeno constitui tudo aquilo que surge de dentro de um organismo. Em se tratando de organização social humana podemos dizer que são todas as normas e instituições formais que originam de uma comunidade territorialmente definida. Nesse sentido, entendemos que as forças que se impuseram socialmente de modo arbitrário tiveram surgimento nessa mesma comunidade. Normas foram estabelecidas bem como a hierarquia que deu nascituro às relações de poder. Em algum momento alguém ou mesmo um grupo localizado na base territorial se impôs para estabelecer uma determinada ordem social. O infringimento da ética originou-se, então, dos próprios indivíduos inseridos no meio.
Na abordagem exógena, vemos que um grupo externo, ou seja, que não faz parte do sistema local se impõe para estabelecer a quebra de parâmetros éticos que não permitiam arbitrariedades. Esse é o caso das invasões e conquistas de povos por outros povos, as quais objetivavam estabelecer relações de supremacia política, econômica ou social.
Por último, observamos que há sistemas mistos que aplicam a fusão entre interesses de lideranças locais com os interesses de conquistadores estrangeiros. É o que aconteceu na conquista de muitos impérios pelo mundo afora como o foi com o Império Otomano, o Império Romano e outros. É o que acontece, também, nos tempos modernos, onde os interesses de organismos supranacionais, corporações e acordos entre países se sobrepõem e se unem a interesses dos grupos dominantes locais. Há claramente uma convergência de interesses.
Fica claro o ponto de convergência entre essas três formas de se estabelecer governança: todas são manifestamente antiéticas, violadoras de direitos e não devem ser consideradas ou utilizadas para estabelecer normatização social. Infringem naturalmente aspectos éticos que as deslegitimam e aspectos racionais que as inviabilizam para a resolução de conflitos e a busca permanente de paz na terra.
O estatismo é a perspectiva teórica que tenta justificar essas três formas de arbitrariedade expostas nessa argumentação. É mister rechaçá-lo veementemente para que realmente alcancemos algo que tenha validade ética e racional para o estabelecimento de relações sociais e econômicas adequadas. As relações voluntárias devem ser estabelecidas a despeito de qualquer justificativa utilitária que busca diminuí-las ou obstruí-las socialmente.
