O que muitas pessoas ainda não compreenderam é que a humanidade sempre nos surpreenderá com comportamentos inesperados. Alguns desses comportamentos nos causarão impactos negativos e naturalmente buscaremos nos afastar deles.
O melhor caminho para fazê-lo é definir normas que se baseiam no direito à propriedade tanto do corpo quanto dos objetos e bens em geral. Não há outro caminho para organizar socialmente. Sistemas democráticos ou planificadores destroem a liberdade humana, o que retira das pessoas o direito de se afirmarem enquanto indivíduos. Seria incoerente dizer que alguns podem se afirmar e adicionalmente impor suas vontades aos demais. Isso significaria permitir que a tirania se estabelecesse sob qualquer pretexto. Nenhum argumento de superioridade moral ou de entendimento científico pode sobrepor o argumento a favor da afirmação do ser. Nenhuma tradição, nenhuma religião, nenhum costume ou norma social preestabelecida sem consentimento pode suplantar a vontade de indivíduos pacíficos.
O mínimo civilizatório está em respeitar a vontade pacífica de se afirmar.
Eu costumo dizer que sou mais “conservador” do que muitos dos que se autoproclamam conservadores, mas tal qualidade não me dá o direito de suplantá-los enquanto indivíduos. A premissa fundamental é: se nascemos igualmente como seres humanos, não pode existir distinção entre cada um de nós no que diz respeito a escolhas pessoais. Deve-se respeitar, obviamente, esse direito em todos. A escolha correta para o libertário é, então, tomar sua decisão sem prejudicar os demais. O direito à propriedade de modo amplo é o princípio fundamental.
Os sistemas de tomada de decisão não são intrinsecamente antiéticos. É a forma como eles são estabelecidos e implementados que os torna impróprios. Se alguém define arbitrariamente o sufrágio como norma social, dará à luz graves violações à propriedade natural dos que não deram seu consentimento a esse sistema. Se alguém estabelece, também de modo arbitrário, o bem comum na perspectiva utilitarista (o maior bem para o maior número de pessoas) não deixará de provocar problemas aos que não concordaram com sua imposição. O que há de comum entre eles é a retórica em torno de sua superioridade em vista dos demais e a forma de se estabelecerem sem o consentimento das pessoas.
Muitos libertários têm pretensões de universalizar o princípio, mas todos eles não têm o interesse de impô-lo fora dos limites de sua propriedade. Como já está claro, são as pessoas que devem decidir suas vidas. Adicionalmente, o libertário busca o consentimento dos demais para estabelecer normas que sejam aplicáveis socialmente. Tendo isso como fundamento, entendemos que a ação que dá gênese ao estabelecimento de uma ordem social não pode ser impositiva, mas somente consentida. Diante dessa forma diferente de tratar o assunto, há um grande equívoco perpetrado por muitos indivíduos que combatem o libertarianismo ideologicamente: eles acreditam que uma ordem social estabelecida com fundamento no libertarianismo não pode impor normas e isso poderia levá-la a um ambiente de desordem que a torne desfuncional. Essa afirmação é absolutamente sem sentido pois o libertarianismo apenas diz que a ordem social não deve ser atingida por meios não consentidos pelos indivíduos. Se as regras para a manutenção de ordem social preveem coerção e uso de força somente após seu consentimento prévio, não há qualquer empecilho a isso. Fica claro que a partir do consentimento pode-se executar medidas de imposição que foram pactuadas. Qualquer relação de âmbito pessoal se pauta pela ética e é estabelecida pelas regras pactuadas entre os contraentes. Isso se aplicará em qualquer empreendimento coletivo do qual os libertários participem.
É natural ficar perplexo com certas atitudes e maneiras de pensar de algumas pessoas. Encare isso como algo a ser ignorado pessoalmente caso não concorde. Vivemos numa ordem social estatista onde não há uma definição clara de direitos de propriedade. Há coerção, roubou e arbitrariedades sendo proclamados como algo legalmente legítimo. Em algumas situações somos forçados a conviver com quem não gostamos e inclusive com quem tem hábitos de vida desprezíveis aos nossos olhos. Podemos nos defender disso à medida do possível, mas não podemos tira-lhes o direito de ser o que são enquanto agem de modo pacífico. Aos descontentes, há opções de vida fora das cidades, em lugares remotos onde os impactos nocivos do estatismo são bem menores. Muitas vezes se pode escolher onde trabalhar, com quem trabalhar e conviver no âmbito pessoal.
Estamos todos no mesmo barco estatista. Convém ter inteligência e discernimento para não perdermos a oportunidade de nos unirmos em torno daquilo que é útil para fortalecer o libertarianismo.
